Jamais havia pensado na relação
existente entre a roseira e a rosa. Sempre me preocupei com os espinhos e as
folhas serradas, sempre me deliciei com as pétalas macias e perfumadas, mas nunca questionei a
mim mesma sobre o que era mais
importante, se a roseira se a rosa... Isto se manteria intacto até que a campainha tocasse e eu
me deparasse com aquele rosto lindo
e idoso me pedindo uma flor de rosa branca...
Era a manhã de domingo... O vento frio
entrava pela janela, mas o céu estava muito azul. Fui atender a campainha e ambos ficamos surpresos. Era ele, o ancião do bairro vizinho, que eu
conheço desde quando eu era uma criança.
Quando eu vestia de anjo para coroar a imagem de Maria Santíssima, ele
já era idoso, com sua pele africana e seu cabelo branco, com um sorriso eterno no
rosto, que se manteve mesmo depois de perder a esposa e a filha.
Fazia algum tempo que eu não o via, embora soubesse que era vivo e se
aproximasse do centenário na idade. Ele me olhou dentro dos olhos, esboçou um
lindo sorriso e me saudou com o mesmo
calor de outrora. “Agora já sei quem
mora nesta casa, sempre quis saber”, disse ele sem pestanejar. Mandei
entrar, ele não quis, Ele me
disse apenas que, ao passar pela rua, viu algo em meu quintal, e gostaria de
saber se eu podia auxiliá-lo com uma
linda flor de rosa branca. Fiquei em
êxtase, disse que sim, coloquei uma escada no muro, me arranhei nos espinhos e colhi três rosas maravilhosas, as quais
embrulhei em papel de seda azul e
ofertei ao ancião centenário.
Ele quis me pagar
pelas flores, mas não aceitei.
Então na manhã azul recebi um sincero abraço, um folheto com a imagem de
São Jorge, uma novena para o mesmo santo
e um agradecimento especial. Só
depois que ele partiu, comecei a filosofar
sobre o pedido inédito: uma flor de rosa branca.
Ele me ensinou que o mais
importante é a roseira que nos oferece a rosa, a flor pertence à mãe que a
gerou, com sua seiva, sua raiz. A árvore
era mais importante do que a flor. Uma flor
de rosa branca, a roseira branca
floresceu e deixou rosas bailarinas soltas ao vento, como se debruçadas
à vida, inclusive àquele ancião que resolveu subir a ladeira sem piedade
na manhã dominical, levando
novenas e orações a São Jorge
Guerreiro de casa em casa...
Voltei á roseira, acariciei-a.
Ela estava plena, grávida de muitas dezenas de flores, prestes a se debruçarem no muro do quintal. Rosas brancas são medicinais: suas pétalas,
frescas ou secas, cozidas no leite, limpam a pele de dentro para fora. Assim me fora ensinado na infância e agora
o ancião me fizera relembrar como a memória cultural de nosso povo
precisa ser preservada. Colhi uma rosa
seca, preparei um sachê e guardei na
geladeira.
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