sábado, 25 de maio de 2013

meu alfabeto: inferências sobre meus discursos - A


A
A representa o início de tudo. É ponto de partida. É a ignição, a propulsão. Atrevo-me a dizer que a letra A é o gatilho, o que põe algo em movimento. Aluno A ou é primeiro da fila ou o melhor nas médias. A equivale à alfa. Na gramática, a é a dificuldade já que pode ser artigo, preposição e pronome pessoal. Ele dá um nó na cabeça da gente. A é o primeiro ponto, o átomo que origina o universo surgido em espirais, transformado em cornucópia. A metaforicamente é um convite para começar alguma coisa, dar o primeiro passo, subir o primeiro degrau. A é um convite para se criarem novas relações: faz par com todas as consoantes.
Eu admitiria o sujeito A como o iniciante e o Z como o que se encontra no topo, embora nossa cultura mostre o contrário: para se chegar ao Z precisa-se ultrapassar todo o alfabeto.
Em inglês , pode ser a letra inicial ou o artigo indefinido um, e seu feminino uma. Perde a sonoridade diante de vogais e para isso precisa receber o adendo de um “n”. Quando a gente descobre tudo isso, a gente se surpreende e usa a onomatopeia: ahh!!!!!

ABACATE

O  abacate é a fruta mãe por excelência .  Muitas  vezes,  não é nem necessário abrir a fruta para deixar a semente   virar um novo abacateiro.  Em forma de útero, a fruta  pode  bem ser o símbolo de todos os úteros...  Sei que todas as frutas  carregam sementes, mas quando abro um abacate, sinto uma emoção estranha... É tão saliente  a semente, que não deixo de pensar em um ventre redondo e pronto para dar a luz...

Uma flor de Rosa Branca


Jamais havia pensado na relação existente  entre  a roseira e a rosa.   Sempre me preocupei com os espinhos e as folhas serradas, sempre me deliciei com as pétalas  macias e perfumadas, mas nunca questionei a mim mesma  sobre o que era mais importante, se a roseira se a rosa... Isto se manteria intacto até que  a campainha tocasse  e eu  me deparasse com aquele rosto lindo  e idoso me pedindo uma flor de rosa branca...
Era a manhã de domingo...  O vento frio  entrava pela janela, mas o céu estava muito azul.  Fui atender a campainha  e ambos ficamos surpresos.   Era ele, o ancião do bairro vizinho, que eu conheço desde quando eu era uma criança.  Quando eu vestia de anjo para coroar a imagem de Maria Santíssima, ele já era idoso, com sua pele  africana  e seu cabelo branco, com um sorriso eterno no rosto, que se manteve mesmo depois de perder a esposa e a filha.
Fazia algum tempo que eu não  o via, embora soubesse que era vivo e se aproximasse do centenário  na idade.  Ele me olhou dentro dos olhos, esboçou um lindo sorriso  e me saudou com o mesmo calor de outrora.  “Agora já sei quem mora nesta casa, sempre quis saber”, disse ele sem pestanejar.  Mandei  entrar, ele não quis,  Ele me disse apenas que, ao passar pela rua, viu algo em meu quintal, e gostaria de saber se eu podia  auxiliá-lo com uma linda flor de rosa branca.  Fiquei em êxtase, disse que sim, coloquei uma escada no muro, me arranhei nos espinhos  e colhi três rosas maravilhosas, as quais embrulhei em papel de seda azul  e ofertei ao ancião centenário.  
Ele quis  me pagar  pelas flores, mas não aceitei.  Então na manhã azul recebi um sincero abraço, um folheto com a imagem de São Jorge, uma novena para o mesmo santo  e um agradecimento especial.  Só depois que ele partiu, comecei a filosofar  sobre o pedido inédito: uma flor de rosa branca.
Ele me ensinou que o mais importante é a roseira que nos oferece a rosa, a flor pertence à mãe que a gerou, com sua seiva, sua raiz.  A árvore era mais importante do que a flor.  Uma flor de rosa branca,  a roseira branca floresceu  e deixou rosas bailarinas  soltas ao vento, como se  debruçadas  à vida, inclusive àquele ancião que resolveu subir a ladeira  sem piedade  na manhã dominical, levando  novenas  e orações a São Jorge Guerreiro de casa em casa...

Voltei á roseira,  acariciei-a.  Ela estava plena, grávida de muitas dezenas de flores, prestes  a se debruçarem no muro do quintal.  Rosas brancas são medicinais: suas pétalas, frescas ou secas, cozidas no leite, limpam a pele de dentro para fora.  Assim me fora ensinado na infância  e agora  o ancião   me fizera relembrar   como a memória cultural de nosso povo precisa ser preservada.  Colhi uma rosa seca, preparei um sachê  e guardei na geladeira.